Além das Palavras: 7 Técnicas de Comunicação Alternativa para Conectar-se com Crianças Autistas Não-Verbais
Introdução: A Ponte sobre o Silêncio
Imagine ter um universo de pensamentos, desejos, medos e alegrias borbulhando dentro de si, mas não ter as palavras para lhes dar voz. Imagine a frustração de querer dizer "estou com dor", "estou com medo" ou um simples "eu te amo", e o som não sair. Para a família, imagine a angústia de olhar para a criança que você ama, saber que ela é inteligente e presente, mas não conseguir aceder ao seu mundo interior.
Esta é a realidade diária de muitas crianças autistas não-verbais ou com fala limitada, e das pessoas que as amam. E é aqui que nasce um dos mitos mais dolorosos e equivocados: o de que "não-verbal" significa "não-comunicativo", "não-pensante" ou "desconectado".
Este artigo está aqui para demolir esse mito e construir uma ponte sobre o silêncio.
Ser não-verbal não significa não ter nada a dizer; significa precisar de um método diferente para dizer. É como um músico genial que tem uma sinfonia na cabeça, mas está numa sala sem instrumentos. A nossa função, como pais e educadores, não é esperar que a música surja do nada; é oferecer os melhores e mais variados instrumentos até encontrar aquele que a criança consegue tocar.
"Ser não-verbal não significa não ter nada a dizer; significa precisar de um método diferente para dizer. Toda criança tem uma voz, e a nossa missão é ajudá-la a encontrar o seu instrumento."
Esses instrumentos têm um nome: Comunicação Aumentativa e Alternativa (CAA). A CAA é um universo de ferramentas e estratégias desenhadas para dar voz a quem não a tem através da fala. Ela não é um último recurso, mas sim um direito fundamental. E, ao contrário do que muitos temem, a CAA não inibe o desenvolvimento da fala; a ciência mostra que, na verdade, ela frequentemente o apoia e o acelera, ao diminuir a frustração e dar à criança uma base de como a linguagem funciona.
Este guia será a sua caixa de ferramentas. Vamos explorar, passo a passo, 7 das mais poderosas técnicas de comunicação alternativa. Iremos desmistificar conceitos, oferecer dicas práticas para começar e, acima de tudo, mostrar que a comunicação é muito mais do que a fala. É conexão, é pertencimento, é o ato de ser visto e compreendido. Vamos começar a construir essa ponte.
Técnica 1: PECS - O Poder da Troca de Figuras
O Picture Exchange Communication System (PECS), ou Sistema de Comunicação por Troca de Figuras, é um dos métodos de CAA mais estudados, estruturados e eficazes para iniciar a comunicação intencional.
O que é? É um sistema onde a criança aprende a entregar uma figura (um pictograma) de um item desejado a um "parceiro de comunicação" para receber o item em troca. O foco inicial não é nomear, mas sim iniciar uma interação com um propósito.
Por que funciona? O PECS é brilhante porque é concreto e funcional. A criança aprende imediatamente a relação de causa e efeito: "Se eu entrego esta figura, eu consigo o que quero". Isso ensina a base de toda a comunicação: uma ação minha gera uma resposta no outro. É um método que constrói a autonomia e a iniciativa.
Como começar (As Primeiras Fases): O PECS é um protocolo que deve, idealmente, ser implementado com a ajuda de um profissional certificado, mas entender suas fases iniciais é crucial para os pais e educadores.
Fase I - A Troca Física: Requer dois adultos. Um atua como o "parceiro de comunicação" e o outro como o "apoio físico". A criança vê um item que deseja muito (ex: um biscoito). O parceiro de comunicação fica na frente dela, sem dizer nada. Uma figura do biscoito está na mesa. Quando a criança tenta pegar o biscoito, o apoio físico, por trás dela, guia suavemente a sua mão para pegar a figura e entregá-la ao parceiro. Imediatamente após a entrega, o parceiro diz "Ah, um biscoito!" e entrega o biscoito. A troca é puramente física e a recompensa é imediata.
Fase II - Aumentando a Espontaneidade: O apoio físico é gradualmente retirado. A criança agora precisa iniciar a troca por conta própria, pegando a figura e a entregando ao parceiro, que pode estar um pouco mais longe.
Fases Seguintes: O sistema evolui para a discriminação entre várias figuras, a construção de frases simples ("Eu quero biscoito") numa "tira de sentenças", e o uso de atributos (cores, tamanhos) e comentários ("Eu vejo um carro").
Pontos Fortes: Altamente estruturado, baseado em evidências, foca na iniciativa da criança e pode ser implementado em qualquer lugar.
"A Comunicação Aumentativa e Alternativa (CAA) não é um último recurso nem inibe a fala. É um direito fundamental que diminui a frustração e, frequentemente, apoia e acelera o desenvolvimento da linguagem."
Logo abaixo, tem o vídeo de uma fonoaudióloga especialista em autismo é um guia completo e didático sobre o que é o PECS e como aplicá-lo. Assista.
Técnica 2: Pranchas de Comunicação e Sistemas de Símbolos
Enquanto o PECS se foca na troca, as pranchas de comunicação são ferramentas mais amplas que funcionam como um "mapa" de vocabulário, onde a criança se comunica apontando para os símbolos.
O que são? São folhas (geralmente plastificadas para durabilidade) que contêm uma coleção de símbolos pictográficos organizados por categorias. Podem ser simples, com apenas duas opções ("Sim/Não", "Quero/Não Quero"), ou complexas, com dezenas de palavras (um "vocabulário nuclear").
Por que funcionam? São ferramentas de baixa tecnologia, baratas e altamente personalizáveis. Permitem um acesso rápido a um vocabulário maior do que o que seria possível carregar em cartões soltos. São excelentes para modelar a linguagem e para dar à criança uma forma de responder a perguntas e expressar opiniões.
Como começar:
Use um Sistema de Símbolos Consistente: Não invente seus próprios desenhos. Use sistemas de pictogramas gratuitos e universais, como o ARASAAC (
), que oferece milhares de símbolos claros e padronizados para download gratuito. A consistência visual é a chave.arasaac.org Comece com o Vocabulário Essencial (Core Words): Crie uma primeira prancha não com substantivos (bola, casa, carro), mas com o "vocabulário nuclear" – as palavras que usamos o tempo todo em qualquer conversa: "eu", "você", "quero", "mais", "não", "ajuda", "brincar", "parar", "ir".
Crie Pranchas Temáticas: Além da prancha principal, crie pranchas específicas para certas atividades: uma para a "Hora do Lanche" (com as comidas preferidas), uma para o "Parquinho" (com os brinquedos), uma para a "Leitura de Histórias" (com sentimentos e personagens).
Aponte e Fale: A prancha só ganha vida se os adultos a usarem. Enquanto você fala com a criança, aponte para os símbolos correspondentes na prancha. "Você quer mais?". Isso ensina à criança o significado de cada símbolo. (Veremos mais sobre isso na Técnica 5: Modelagem).
Pontos Fortes: Acessíveis, personalizáveis, ótimas para expandir o vocabulário e para usar em contextos específicos.
Técnica 3: Aplicativos de Alta Tecnologia (A Voz no Tablet)
A tecnologia abriu um universo de possibilidades para a CAA, transformando tablets e smartphones em poderosas ferramentas de comunicação com voz sintetizada.
O que são? São aplicativos (apps) instalados em um dispositivo que contêm um vasto sistema de símbolos organizados em pastas. Quando a criança toca num símbolo, o aplicativo "fala" a palavra em voz alta.
Por que funcionam? Oferecem um vocabulário potencialmente ilimitado num único dispositivo portátil. A saída de voz fornece um feedback auditivo claro e consistente, que pode ser muito motivador. Muitos apps já vêm com um vocabulário pré-programado e robusto, poupando o tempo de ter de criar tudo do zero.
Como começar:
Consulte um Profissional: A escolha do aplicativo certo é uma decisão importante. Um fonoaudiólogo especialista em CAA é o profissional ideal para avaliar as necessidades da criança e recomendar o melhor sistema.
Comece com um App Robusto: Existem muitos apps no mercado. Alguns dos mais conhecidos e baseados em evidências incluem o TouchChat, Proloquo2Go e LAMP Words for Life (muitos já disponíveis em português). Aplicativos como o Matraquinha são excelentes opções nacionais.
Não Entregue e Espere a Mágica: Um erro comum é simplesmente entregar o tablet à criança. Assim como as pranchas, o app só se torna uma ferramenta de linguagem se os adultos o modelarem consistentemente (Técnica 5).
Transforme o Tablet numa "Voz", Não num "Brinquedo": Se possível, dedique um dispositivo apenas para a comunicação, ou use configurações de acesso guiado para que a criança não saia do app de CAA para ir para o YouTube. O tablet precisa de ser visto como a sua ferramenta de fala.
Pontos Fortes: Vocabulário vasto, saída de voz, portabilidade. Podem ser transformadores para muitos indivíduos.
Técnica 4: Linguagem Gestual (Falar com as Mãos)
O uso de sinais e gestos é uma forma de CAA que usa o próprio corpo como ferramenta. É uma ponte maravilhosa entre o concreto e o simbólico.
O que é? É o uso de sinais manuais para representar palavras ou conceitos. Não se trata de ensinar a Língua de Sinais completa (como a Libras), mas de usar sinais-chave para apoiar a comunicação e a compreensão.
Por que funciona? É uma modalidade que não requer nenhum equipamento. Os sinais são visuais e cinestésicos, o que pode ser mais fácil de aprender para algumas crianças do que apontar para figuras. O uso de sinais pelo adulto enquanto fala (Comunicação Total) comprovadamente ajuda na compreensão da linguagem oral pela criança.
Como começar:
Escolha um Vocabulário Inicial: Comece com um pequeno conjunto de 5 a 10 sinais de palavras de alta frequência e motivadoras: "mais", "comer", "beber", "acabou", "ajuda", "brincar", "música".
Seja Consistente: Sempre que você disser a palavra, faça o sinal correspondente. "Você quer mais (faça o sinal de 'mais')?". A consistência é a chave para a criança fazer a associação.
Use o Apoio Físico (se necessário): No início, você pode guiar suavemente as mãos da criança para ajudá-la a formar o sinal.
Responda Imediatamente: Assim que a criança tentar fazer o sinal, mesmo que de forma imperfeita, responda imediatamente à sua tentativa. Se ela junta as mãos de forma desajeitada para pedir "mais", dê-lhe mais do item e diga "Sim, mais!".
Pontos Fortes: Gratuito, sempre disponível, fortalece a conexão visual e a imitação motora, e apoia a compreensão da fala.
Técnica 5: Modelagem (A Estratégia que Une Todas as Outras)
A modelagem é a chave-mestra da comunicação alternativa. Assim como uma criança ouve milhares de palavras antes de falar, ela precisa de ver o seu sistema de comunicação a ser usado de forma natural. Ao apontar para os símbolos enquanto fala, o adulto está a dar a mais poderosa de todas as lições: "É assim que se fala nesta língua".
Esta não é uma ferramenta, mas sim a estratégia de ensino mais importante para qualquer forma de CAA. Sem ela, todas as outras técnicas correm o risco de falhar.O que é? Modelagem, ou Aided Language Stimulation (ALS), é o ato do parceiro de comunicação (o adulto) usar o sistema de CAA da criança para se comunicar com ela.
Por que funciona? Pense em como uma criança aprende a falar. Ela passa anos a ouvir os adultos a falar com ela e à sua volta, imersa na linguagem. Ela ouve milhares de vezes a palavra "mamãe" antes de tentar dizê-la. Com a CAA, a lógica é a mesma! A criança não vai aprender a usar a prancha de comunicação ou o tablet se eles ficarem guardados à espera de que ela os use. Ela precisa de ver os adultos a usar o sistema, em contexto, de forma natural.
Como fazer:
Tenha o Sistema Sempre Acessível: A prancha de comunicação ou o tablet devem estar sempre à vista e ao alcance.
Fale e Aponte: Enquanto você fala com a criança, use o dedo para apontar para os símbolos correspondentes no sistema dela. Não precisa de apontar para todas as palavras, apenas para as palavras-chave. "Vamos brincar lá fora?". (Você aponta para o símbolo "BRINCAR" e "FORA" enquanto fala).
Sem Expectativas: O mais importante: modele sem exigir que a criança responda. Você não está a testá-la. Você está simplesmente a mostrar-lhe como a ferramenta funciona, a dar o input, a ensiná-la a "falar" naquela linguagem.
Ponto Forte: É a única estratégia baseada em evidências que comprovadamente ensina o uso de sistemas de CAA de forma eficaz e natural.
"Não espere que a criança use o sistema de CAA sozinha. A Modelagem é a chave: você precisa 'falar' na linguagem dela, apontando para os símbolos enquanto se comunica. O adulto é o principal professor daquela nova língua."
Embora não haja um vídeo específico sobre "modelagem", este vídeo (logo abaixo) sobre "primeiros passos" demonstra perfeitamente o conceito, com a terapeuta a usar os símbolos enquanto fala com a criança.
Técnica 6: Uso de Objetos Concretos (O Primeiro Passo)
Para crianças que ainda não fazem a conexão simbólica de que uma imagem representa um objeto, podemos dar um passo atrás e começar com os próprios objetos.
O que é? É o uso de objetos reais para oferecer escolhas e facilitar a comunicação.
Por que funciona? É o nível mais concreto de comunicação. Não há abstração. A escolha é direta e o resultado é imediato. É a base para a compreensão da representação.
Como começar:
A Escolha entre Dois: Segure dois objetos que a criança gosta (ex: uma banana e um copo de água). Segure um em cada mão e apresente à criança, dizendo "Você quer a banana ou a água?".
Honre a Escolha: A criança pode pegar, olhar ou fazer um gesto em direção ao item que quer. Honre essa escolha imediatamente, entregando o objeto e nomeando-o. "Ah, você quer a banana!".
A Transição para o Símbolo: O próximo passo é colocar o objeto real ao lado do seu pictograma correspondente. A criança ainda pega o objeto, mas começa a fazer a associação visual com a figura. Com o tempo, o objeto pode ser retirado, deixando apenas a figura.
Ponto Forte: É a porta de entrada perfeita para a comunicação simbólica para crianças no estágio inicial de desenvolvimento.
Técnica 7: Escrita e Apontar (A Voz nas Letras)
Para algumas crianças autistas, especialmente aquelas com apraxia da fala (uma dificuldade motora em produzir os sons), as habilidades motoras finas para apontar ou digitar podem estar mais intactas do que as da fala.
O que é? É o uso do alfabeto, seja numa prancha de letras, num teclado de computador ou num tablet, como a principal forma de comunicação. A criança aponta para as letras para soletrar suas mensagens.
Por que funciona? Liberta a comunicação das limitações do motor da fala. Permite a expressão de pensamentos complexos e de uma gramática rica que não seria possível com um sistema limitado de figuras.
Como começar:
Presuma a Competência: O passo mais importante é presumir que a criança é letrada ou tem o potencial para ser, mesmo que não fale.
Ofereça o Alfabeto: Tenha pranchas com o alfabeto sempre disponíveis.
Comece com Respostas Simples: Faça perguntas e mostre como apontar para a primeira letra da resposta.
Seja Paciente: Soletrar apontando é um processo lento. Dê tempo à criança. Leia em voz alta cada letra que ela aponta para lhe dar um feedback auditivo.
Ponto Forte: Tem o potencial de revelar um mundo interior rico e complexo que estava escondido por trás das dificuldades da fala.
Conclusão: Toda Criança Tem uma Voz
A jornada da comunicação para uma criança autista não-verbal pode ser longa e exigir paciência, criatividade e uma disposição constante para aprender por parte dos adultos. Mas ela é, acima de tudo, uma jornada de esperança.
As sete técnicas que exploramos – da troca de figuras ao apontar das letras, da linguagem dos gestos à voz do tablet – são mais do que métodos. São chaves. São diferentes chaves que podemos testar, com afeto e persistência, até encontrarmos aquela que abre a porta do mundo interior da criança.
A mensagem final é esta: toda criança tem algo a dizer. Não existe "não-comunicativo". O que existe é uma comunicação que ainda não foi decifrada. Nosso papel, como os parceiros de comunicação mais importantes na vida dessa criança, não é o de esperar pela fala, mas o de construir ativamente a ponte para qualquer forma de comunicação que seja possível. Cada figura trocada, cada gesto compreendido, cada palavra apontada é uma celebração. É o som da conexão. É a prova de que, para ser ouvido, não é preciso dizer uma única palavra.
"A jornada da comunicação é de paciência e persistência. Cada figura trocada, cada gesto compreendido, cada palavra apontada é uma vitória monumental. Para ser ouvido, não é preciso dizer uma única palavra."
Minha Recomendação
Você agora tem em mãos um arsenal de ferramentas para construir pontes de comunicação. O conhecimento sobre PECS, pranchas, modelagem e aplicativos já o coloca em uma posição de destaque para apoiar um aluno não-verbal.
Mas como integrar essas ferramentas de forma coesa no plano educacional? Como alinhar a estratégia de comunicação com as metas de desenvolvimento social, sensorial e acadêmico? Como criar um ambiente onde a CAA seja usada não apenas por você, mas por toda a turma, de forma natural?
Construir a ponte é o primeiro passo. O curso "Autismo para Professores" te ensina a desenhar a cidade inteira ao redor dela. Ele oferece o framework completo para integrar a comunicação em um plano holístico, garantindo que a nova "voz" do seu aluno seja ouvida, compreendida e celebrada em todos os aspectos da vida escolar. Se você quer ir além das ferramentas e dominar a estratégia, este é o seu caminho.
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